A ATITUDE INTERDISCIPLINAR NA REALIDADE DA EDUCAÇÃO 4.0

Desde 2017 um novo termo tem sido amplamente usado nas discussões sobre o futuro das escolas, esse termo é a Educação 4.0. A designação é fruto de uma migração da expressão 4.0, atribuída à indústria pelo fato da experimentação atual de uma “Quarta Revolução Industrial”. Vista por muitos educadores como um modismo e por outros como um paradigma extremamente tecnicista, fato que é a Educação 4.0 já está modificando a realidade no mundo da educação em muitos países, inclusive no Brasil, apostando numa escola direcionada a estimular os jovens à pesquisa e ao trabalho prático com o propósito de solucionar problemas e vencer desafios, independentemente de um envolvimento prévio com conteúdos disciplinares.

            Uma das apostas para a implementação do modelo de Educação 4.0 é a Interdisciplinaridade. No entanto qual o conceito de Interdisciplinaridade que está sendo proposto e praticado nessa visão macro sobre o assunto? Muitas vezes confunde-se o trabalho multidisciplinarizado com a Interdisciplinaridade, que constitui em si uma categoria de pesquisa e ação.

            Para entender melhor o que muda e o que se propõe com a Educação 4.0, seguem algumas considerações:

Revoluções Industriais

         Até o século XVIII, a produção de bens era feita pelos homens com o trabalho manual e artesanal, utilizando até mesmo máquinas simples desenvolvidas para acelerar etapas e aperfeiçoar resultados. A manufatura era a base das unidades produtivas familiares e das oficinas que podiam até mesmo ter diversos trabalhadores atuando em conjunto.

Inicia-se, então, nesse período, uma transição no modo de produção da manufatura básica acompanhada por uma série de mudanças que afetaram o modo de vida da sociedade da época iniciando a era industrial que avança ainda nos tempos atuais.

Esse processo constituiu a base da Revolução Industrial e por ser algo dinâmico pôde ser marcado por novas alterações de tempos em tempos.   De modo resumido, a humanidade já passou por quatro revoluções industriais identificadas:

Primeira Revolução – Conhecida como Revolução Mecânica, iniciou-se na Inglaterra, em meados dos anos 1700, foi caracterizada pelo surgimento das máquinas a vapor, com utilização do carvão como combustível, fato que possibilitou a ampliação da produção têxtil com o surgimento dos primeiros teares mecânicos. Foram cruciais para essa revolução os recursos monetários acumulados pela Inglaterra nas fases iniciais do capitalismo mercantil, o apoio às pesquisas universitárias e a disponibilidade do carvão na região. Em consequência dessa revolução, modificou-se o modo de produção nas fábricas, com maior divisão social do trabalho e alienação do processo produtivo; ampliou-se a mais valia capitalista; incrementou-se a urbanização; intensificou-se a desigualdade social; abriu-se caminho para a degradação ambiental sobretudo com a poluição e desenvolveram-se novos meios de transporte como a ferrovia e a navegação a vapor.

Segunda Revolução – Conhecida como Revolução Elétrica, desenvolveu-se concomitantemente na América do Norte e na Europa nas décadas finais do século XIX. Teve como característica as inúmeras possibilidades advindas do uso da energia elétrica, seja no ambiente industrial como no impacto sobre a sociedade. Com a eletricidade, surgiram os motores e as lâmpadas com consequências diretas sobre a produção e o modo de viver. A iluminação elétrica ampliou turnos de produção para 24h/dia, fato que aliado à modernização mecânica dos motores possibilitou ampliar as possibilidades na produção sem a dependência do carvão como fonte primária. O uso do petróleo como fonte de energia para os motores a explosão trouxe novas perspectivas, sobretudo para os transportes, com o surgimento dos primeiros automóveis e anos depois com os aviões. Houve maior adensamento nas grandes cidades com a verticalização das construções e o advento dos elevadores e escadas mecânicas. A produção industrial de aço cresceu para atender a demanda mundial das construções e trilhos já que a rede ferroviária (tanto a vapor como elétrica) cresceu e surgiram também os primeiros sistemas de metrôs urbanos. As consequências dessa revolução foram o aumento da população urbana com o surgimento de grandes metrópoles; ampliação das possibilidades produtivas e do capitalismo; serialização da produção; ampliação do operariado no mundo, surgimento do capitalismo financeiro e monopolista privado e acirramento da competição pelo comércio mundial, fato que contribui significantemente para conflitos armados décadas depois.

Terceira Revolução – Conhecida como Revolução Eletrônica ou Robotizante, deu-se logo após o fim da Segunda Guerra Mundial em 1945, quando parte das tecnologias desenvolvidas para a indústria de armas começou a ser incorporada nas indústrias em geral e nas telecomunicações. Seus efeitos aconteceram primeiramente nos países mais industrializados, mas, aos poucos se espalharam por todo planeta como causa e consequência do processo de nova globalização. Com ela surgiram máquinas que substituíram o trabalho humano em alguns setores, como no emprego de “braços mecânicos de precisão” nas linhas de montagem, nas colheitadeiras mecanizadas no campo, por exemplo. Os circuitos eletrônicos tornaram-se mais eficientes e menores, e se expandiu a disponibilização e modelos de peças com impacto no preço das máquinas, na popularização de aparelhos de tv e rádio, na melhoria das telecomunicações e até mesmo na corrida espacial. Os computadores deixaram de ser máquinas de cálculo para auxiliar em armazenamento de dados e transmissão dos mesmos. Apesar da crise do petróleo nos anos 1970, os motores a explosão ganharam novos estudos para ampliar as possibilidades de uso de combustíveis alternativos. As consequências disso para a indústria foram a ampliação da produção, a redução de mão de obra humana, o desenvolvimento de novos produtos em paralelo às mudanças tecnológicas. Vale salientar que é nesse período, nas últimas décadas do século XX que se buscam formas alternativas de produção de energia e que se amplia a preocupação com a ecossustentabilidade. Nesse período também se lançam as bases da internet, que acabou por revolucionar a interação social, a disponibilização de dados, o controle empresarial-industrial, a comunicação, o tempo e espaço de trabalho e o processo de globalização, caracterizando o que se chama de capitalismo do conhecimento ou informacional.

Quarta Revolução – Conhecida como Revolução Virtual-Sensorial, essa revolução ainda divide pesquisadores já que muitos situam seu início no final do século XX com a popularização da internet e suas consequências, enquanto outros a situam apenas na segunda década do século XXI com a ampliação dos campos da A.I.- Inteligência Artificial, da IoT – Internet das coisas. Fato é que há um consenso de que o caminho das pesquisas tecnológicas é convergente a uma ação integrada com os indivíduos tanto em questões físicas como biológicas.  Essa revolução se caracteriza por uma customização da indústria com reflexos diretos no modo de viver das pessoas, abrindo oportunidades apenas para novidades em produtos e serviços, cada vez mais constantes e compatíveis com a biorresponsabilidade. Pode-se dizer que se vive um capitalismo de inovação e resultados.

            Como colocado, há quem diga que a quarta revolução, seria em realidade a quinta, a se considerar a popularização da internet como real quarta revolução, ponto chave do capitalismo informacional virtualizado.

            De modo resumido teríamos:

Revolução Início / Características Capitalismo
Primeira 1750 – Mecânica Industrial
Segunda 1870 – Elétrica/serial Monopolista – Financeiro
Terceira 1945 – Eletrônica Cognitivo
Terceira- Quarta 1980 – Virtual Informacional
Quarta – Quinta 2010 – Sensorial Inovativo

A Educação em cada uma das revoluções

            Até chegar a 2020, traçar um panorama do comportamento da Educação ao longo dos séculos seria trabalho árduo, assim sendo seria mais interessante abordar a questão do ponto de vista da relação aluno-escola-sociedade.

            O século XVIII, período da Primeira Revolução Industrial foi marcado pelo Iluminismo, corrente que promoveu a valorização do conhecimento adquirido pelo homem e sua sistematização para educação nas escolas. Lembrando que o acesso à escolarização era para minoria da população mundial, havia um enfoque na educação de conteúdos, ou seja, a escola desenvolveu-se como ambiente de transmissão de saberes. Havia a

escolarização em aulas particulares, com tutores-preceptores nas famílias mais ricas, escolas tradicionais, religiosas e ensaios de uma escolarização popular. No início do século XIX a alfabetização era o compromisso maior da escolarização em massa, e apenas uma mínima porcentagem da população atingia a formação superior específica em algum campo do saber.

            Nas últimas décadas do século XIX, o Positivismo reforçou a ideia de sistematização do ensino em paralelo aos efeitos da Segunda Revolução Industrial. A escolarização ampliou-se com o aumento demográfico e já havia distinção clara entre a educação privada e o modelo público em crescimento. A ideia de produção seriada ganhou paralelismo na escola, a qual continuava a ser sinônimo de edifício escolar. 

            Mesmo com todas mudanças no campo científico-tecnológico na primeira metade do século XX, as escolas não incorporaram modificações significativas quando a Terceira Revolução Industrial já era uma realidade. A despeito da ampliação do leque de carreiras universitárias, a estrutura do ensino era dominada pela concentração do saber na figura do professor como irradiador de conhecimento, e não se tirou partido positivo da inovação no processo de ensino-aprendizagem, salvo raras exceções. Os primeiros cursos voltados à eletrônica, à computação ou às telecomunicações partiam de distantes conhecimentos básicos das disciplinas clássicas com pouca ênfase na prática e na experimentação do novo, o mesmo ocorrendo com os campos da Medicina e até mesmo com a própria Pedagogia.

            O final do século XX caracterizou-se pela popularização dos computadores, da internet e dos celulares e mesmo assim, em plena vivência de uma transição para uma nova revolução, as escolas não souberam tirar proveito pleno dos recursos e das possibilidades das inovações pois sua estrutura estava alicerçada em mais de duzentos anos de tradição e modelos convenientes. Quando as mudanças começaram a ser efetivadas, em alguns países e alguns níveis da educação, sobretudo no ensino superior, viu-se uma apropriação da educação pelo espírito capitalista e os resultados ainda estão sendo avaliados.

           O que dizer da Educação na atual quarta ou quinta Revolução Industrial?  Toda moderação é pouca para tratar do tema. Quando vemos sites, artigos, portais e congressos apresentando a Educação 4.0 como o suprassumo do momento, é necessário ter filtros.

            Toda generalização é perigosa e, em especial quando se fala de realidades tão diferentes como as de nosso mundo contemporâneo.

            Em geral, os especialistas falam da Educação 4.0 como um novo paradigma focado no “aprender-fazendo”, algo que propõe uma escolarização dinâmica, participativa, experimental e criativa. Essa postura permitiria atender às necessidades da Indústria 4.0, ou seja, da Indústria que se desenvolve a partir da quarta (ou quinta) revolução. Todos os textos sobre o assunto veiculados entre 2017 e 2018 trazem a “formação” escolar como mero caminho para o mercado de trabalho, não se fala mais no papel social da Educação.

            Os inúmeros encontros de líderes sobre o assunto, dos quais o Brasil sempre participa expressivamente, realizados entre 2017 e 2018, como o UN Global Summit de 2017, realizado em São Francisco, nos EUA, apontam que a Educação 4.0 é pautada em uma nova cultura voltada para a inovação, a invenção, a resolução de problemas, a programação, a colaboração e a promoção cultural.

            Já há tempos se propõe que a escola amplie o trabalho coletivo, motivado por projetos, por ações conjuntas, por desafios e que se faça uso de novas tecnologias para que tudo isso ocorra, no entanto, todas as inovações tem que concorrer com uma estrutura educacional que é diferente nos mais de 200 países do mundo e que ainda enfrenta realidades sociais também diferentes. Desta forma a realidade da Educação 4.0 é para poucos.

Novas tecnologias e/ou terminologias

         A cada momento surgem novas denominações que envolvem a ampliação de conceitos empresariais, da computação, da eletrônica e da comunicação em situações que vão da academia para a indústria e vice-versa e que passam a fazer parte do cotidiano da sociedade, dentre essas denominações temos:

Internet das coisas – Expressão traduzida literalmente do inglês Internet of things ou IoT, que tenta designar uma rede de objetos físicos sensorizados capazes de enviar e receber dados via rede (internet), fato que possibilitaria sua operação remota e até mesmo independente da vontade humana. Embora o termo tenha sido criado em 1999, já em 1990 numa feira anual de tecnologia da informação, a INTEROP, uma torradeira conectada à internet foi apresentada ao público. Com a IoT, objetos, eletrodomésticos, carros, embalagens, roupas e tudo mais que rodeia os seres terão conectividade e transmitirão informações para melhoria da atividade humana.

Inteligência Artificial (AI) – Expressão que designa um ramo de pesquisa dentro das Ciências da Computação que desenvolve caminhos para que mecanismos e dispositivos tecnológicos simulem o raciocínio humano. Apesar de assustador já é uma realidade no cotidiano de muitos setores e empresas.

Learning by doing – Expressão sem tradução oficial em Português, mas que pode ser compreendida como “aprender fazendo”. Surgida no ambiente empresarial nos anos 1960, a expressão reflete a percepção de que os executivos e funcionários das empresas eram movidos por objetivos para os quais se delineavam projetos a serem desenvolvidos. Nos anos 1990 a expressão motivou os estudos sobre gerenciamento de projetos que se irradiaram da administração para as outras carreiras e ganharam paralelo na escolarização dentro da perspectiva de estimular o aprendizado pelo envolvimento em desafios como sugerido por diversos educadores como Piaget.

Propostas da Educação 4.0

         Em quase todos artigos que tratam da Educação 4.0 fala-se em linguagem computacional, inteligência artificial(AI), Internet das coisas (IoT) e learning by doing (aprender pela ação). Prega-se o rompimento com velhos paradigmas educacionais impostos por muito tempo, fato que teria gerado uma educação descontextualizada, embasada na criticada “transmissão de conhecimento”. Criticam-se os ambientes pouco propícios ao processo de aprendizagem e sugere-se uma ação educacional mais participativa aos alunos.

            A pergunta é: Não é isso que vem sendo desejado pelos educadores no mundo todo há pelo menos quatro décadas? Ou seja, a Educação 4.0 é uma nova manifestação de mudança na educação, que carrega críticas já antigas e soma novos anseios, adicionando novas nuances tecnológicas ao assunto.

            Quando Paulo Freire revolucionou a educação com a proposição da inclusão da realidade no aluno na sala de aula, do desenvolvimento do espírito crítico e da percepção coletiva foram alardeadas as mesmas vontades de ruptura e revolução que se repetem agora.

            São mais de 50 anos defendendo o fim do conteudismo escolar e sugerindo alternativas para tornar a escola um ambiente mais transformador. Mas, afinal, quais são os limites de transformação da escola?

            Na onda contemporânea da valorização da tecnologia, a virtualidade permite, inclusive, que não exista o espaço físico escolar. Nesta visão a escola passa a ser uma ideia e não um ente concreto, como lidar com isso?

            Apesar de entender que a escola deve ser dinâmica no tempo e nas transformações, todo cuidado é pouco.

            Vivem-se realidades muito diferentes no mundo atual e a aproximação pregada da educação com a indústria, promovida pela Educação 4.0, é limitante, e passa a ser paradoxal em seus princípios de revolução.

A realidade do Brasil e o 4.0

         Tomando o Brasil como exemplo, não é difícil perceber que a onda 4.0 será um referencial paradigmático improvável.

            Ao mesmo tempo que “bolhas” de prosperidade aproximam um reduzido porcentual da população às mais recentes revoluções industriais, há de se considerar que há regiões do país que nem passaram pela primeira e nem segunda revolução industrial. Há inúmeras cidades brasileiras praticamente isoladas, onde se vive da subsistência e do extrativismo e tantas outras ainda sem luz elétrica, sem saneamento e sem comunicação física a outros centros mais prósperos.

            Mesmo nos grandes centros, nas periferias das “bolhas” de prosperidade, há uma porcentagem considerável da população sem conectividade à internet, sem condições reais de uma imersão no learning by doing que vá além de raros contatos com kits educacionais massificados e distribuídos pelas redes públicas de ensino.

            Falar em uma geração 4.0 é falar de um desejo que mais uma vez vai ser realidade em reduzida parcela das escolas e que pode tumultuar ainda mais um compromisso com o mínimo da educação que já não vem sendo cumprido como mostram os indicadores avaliativos em todos os níveis da escolarização nacional em 2018.

            Será que precisamos desenvolver projetos imediatos de IoT ou ter plena certeza de que um jovem chegue aos 14 anos sabendo ler, escrever, interpretar e resolver contas básicas? Ou será possível fazer tudo isso sem demonizar a escola como ela se construiu por séculos?

            Muitas vezes se ouve dizer que “a escola não é interessante para o jovem”, ou que o modelo educacional baseado em currículos mínimos é entediante, que a escola tem que trabalhar o que o aluno vive, o que ele deseja, ou, mais recentemente, aquilo que o mercado espera do jovem. Estas colocações são por demais reducionistas.

            Muitas mudanças já foram sugeridas, testadas e incorporadas à escola. Desde os trabalhos e projetos multidisciplinares transversais, à ampliação das aulas investigativas, às reformas curriculares, ampliação de carga horária e estabelecimento de período integral de estudos.

No Brasil fala-se muito em transformação e muito pouco em empenho.  Na preocupação de que os jovens se afastassem da escola, por muitos anos foi incentivada a promoção automática sem compromisso com a efetiva comprovação da aquisição de habilidades e conhecimentos mínimos. A escola incorporou funções paralelas como a responsabilidade pela alimentação dos escolares e, também, pelo maior zelo à saúde, e em muitas situações afastou-se de um compromisso com a eficácia do saber.

Países que no final dos anos 1970 atravessavam problemas socioeconômicos similares ao Brasil, passaram a investir na educação e ao mesmo tempo reforçaram duas coisas: a valorização da figura do professor e a valorização da excelência do empenho de cada aluno.

Coreia do Sul, Taiwan e Cingapura seguiram uma linha similar à japonesa e hoje colhem sucesso educacional que se reflete na indústria e na sociedade como um todo. Fugindo dos exemplos orientais, encontram-se posicionamentos similares com relação à valorização da escola e de seus elementos em países escandinavos e até mesmo latino-americanos.

Vale lembrar que a nova proposta da Educação 4.0 não é focada no edifício “escola” e sim na atividade de “por a mão na massa”, ou seja, fazer, praticar e experimentar. Muitas das propostas sugerem atividades que não se limitam a tempos e espaços e sim a resultados, mais ou menos no que está ocorrendo no mercado de trabalho quando a empresa sugere ao trabalhador uma tarefa, que ele pode realizar na empresa, em casa, num restaurante, onde ele achar melhor e onde disponha de suas ferramentas. A tarefa acaba quando o problema é resolvido ou a meta é alcançada. Como encaixar essa proposta com uma demanda social pela escola em tempo integral? Essa demanda não é por desejo dos pais de que as crianças aprendam mais e sim motivada pela necessidade de que as crianças fiquem o máximo de tempo no espaço da escola já que a unidade familiar (pai, mãe, avós, tios, etc.) não tem como “tomar conta” de seus filhos no ambiente doméstico.  O problema então reside na realidade da família contemporânea ou na estrutura físico-temporal da escola?

Se muitas das atividades na Educação 4.0 estão sugeridas para ocorrer junto aos equipamentos urbanos, empresas, indústrias e até esmo no mundo rural, tirando proveito de seu potencial como estímulo e inovação, como lidar com a logística disso?

Sobre a Interdisciplinaridade

         Como colocado por VILCHES (2009, p.38) foi a partir da ideia de disciplinarização, e na intenção de “restaurar” o todo perdido, que surgiram, ao longo do século XX expressões derivadas do termo “disciplina” com diferentes prefixos que, cada uma a seu modo, tentavam propor uma ação. A multidisciplinaridade, a pluridisciplinaridade, a interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade sofrem pelo caráter polissêmico impedindo uma breve definição de cada expressão.

 A multidisciplinaridade poderia constituir uma associação de disciplinas, por conta de um projeto ou de um objeto que lhes sejam comuns; (MORIN, 2001, p.115).

A pluridisciplinaridade seria a existência de relações complementares entre disciplinas mais ou menos afins. É o caso das contribuições mútuas das diferentes histórias (da ciência, da arte, da literatura, etc.) ou das relações entre diferentes disciplinas das ciências experimentais. (ZABALA, 2002, p.33).

A Interdisciplinaridade surge como novo paradigma educacional no século XX a partir de uma demanda educacional, política e cultural de desfragmentação do conhecimento, em outras palavras na busca por um aprender “sem migalhas”. (FAZENDA, 1994)

A transdisciplinaridade, enquanto terminologia, sofre do mesmo problema e vem acrescentar mais dúvidas sobre a intenção de “superação das disciplinas”. Surgida a partir das ideias de Piaget, segundo Nicolescu (2003, p.1). Piaget praticamente apresenta a transdisciplinaridade como uma etapa que sucederia a interdisciplinaridade na intenção de atingir um sistema total sem fronteiras estáveis entre as disciplinas.

         Interdisciplinaridade e transdisciplinaridade, são expressões parceiras na intenção de achar diálogos entre sujeitos para vencer barreiras criando atmosfera propícia à superação e às descobertas; a primeira estando mais ligada ao universo da escola, das disciplinas, das relações entre sujeitos pedagógicos e a segunda mais próxima do universo acadêmico e das ciências. Como os agentes pedagógicos estão também envoltos na academia e nas pesquisas que conduzem das disciplinas às ciências e vice-versa, estabelecem-se sobreposições e situações tão similares que impedem separar totalmente os conceitos.

         A interdisciplinaridade como atitude para uma prática possível da Educação 4.0

A interdisciplinaridade permite emprestar o modo de agir de uma disciplina para outra, ou seja, é uma atitude que parte de uma postura de domínio e segurança já desenvolvida pela prática investigativa em uma área do conhecimento para que o ser se sinta apto a ousar e desvelar verdades em outro campo do saber ainda novo. Esta propriedade se aplica a todos os agentes pedagógicos envolvidos.

            A interdisciplinaridade é a atmosfera de propensão ao “meter a mão na massa” alardeada pela Educação 4.0. Porém para que ela seja frutífera é necessário que os participantes tenham se aprofundado na disciplinaridade básica do conhecimento.

            Se um jovem conhece as disciplinas que compõe sua formação escolar, e vivencia elementos importantes dessas disciplinas isoladamente, tanto por conhecimento adquirido, descoberto, vivido ou compartilhado, será mais fácil a ele imbuir-se de coragem e ousadia para tentar solucionar um novo desafio. Da mesma forma, professores, conhecedores das bases de sua formação, terão maior facilidade de estabelecer parceria investigativa com seus alunos em novos desafios.

            É nessa questão que a escola tradicional, desenvolvida por muitos séculos não está errada. É necessário envolver o aluno em diferentes campos do conhecimento, apresentando a ele o universo de assuntos que podem ser pesquisados e que ajudam a desvelar questionamentos. É como reforçar a história de cada campo do saber.  É questão de ensinar história das ciências e contribuir com referenciais que serão de grande valia na atitude interdisciplinar necessária a um mundo real de trabalho movido por soluções eficientes. Nesse contexto já são uma realidade os projetos transversais e multidisciplinares propostos nas escolas brasileiras e no mundo. São projetos de complexidade gradativa ao longo da escolarização existente e que contribuem para o desenvolvimento do espírito investigativo, colaborativo, crítico e autocrítico promovendo o empenho em atingir resultados.

            Não se pode imaginar puerilmente que a Educação 4.0 jogará fora todas as bases curriculares e trocará tudo por desafios problematizados com soluções obtidas na tentativa e erro, sem embasamento.

            Mesmo a defesa de que essa educação estimula o aprender a aprender ou o aprender a pesquisar, não se pode desconsiderar o conhecimento já construído pelo homem como excelente ponto de partida investigativa.

            Resta saber que tipo de resultado se projeta para uma sociedade futura nessa perspectiva tão focada em resultados materiais.

            Espera-se que a proposição prática da Educação 4.0 seja conciliar uma estrutura já consolidada e constantemente renovada com uma ampliação do agir dos estudantes antes de sua profissionalização.

            Nessa visão será mais fácil mobilizar os jovens em trabalhos que lidem com os desafios de suas realidades e que também ilustrem outras realidades possíveis.

           No Brasil heterogêneo do século XXI, seria interessante ver exemplos da Educação 4.0 auxiliando jovens a pensar em alternativas para os problemas da seca, da geração e disponibilização de energia elétrica a partir de matrizes solares ou eólicas, da modernização das lavouras familiares, ao mesmo  tempo em que se promove a atualização de realidades e de novas fronteiras da pesquisa e da produção com as novas tecnologias.

Referências:

FAZENDA, Ivani C. A.. Interdisciplinaridade: história, teoria e pesquisa. Campinas, SP- Papirus, 1994.

MORIN, Edgar. A religação dos saberes: o desafio do séculoXXI. Trad. Flavia Nascimento. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,2001.

NICOLESCU, Basarab. O manifesto da transdisciplinaridade.Trad. Lúcia Pereira de Souza. São Paulo: Trion, 2003.

VILCHES, Manolo Perez. O Lúdico na Atitude Interdisciplinar. São Paulo, SP – Cosmopolitana, 2009.

ZABALA , Antoni. Enfoque globalizador e o pensamento complexo. Porto Alegre, Artmed, 2002.